Home » ARTIGO COMENTADO – História natural e manejo de estenoses benignas de esôfago refratárias

ARTIGO COMENTADO – História natural e manejo de estenoses benignas de esôfago refratárias

por Bruno Medrado
Compartilhe:

Bases do estudo:

Estenoses benignas de esôfago possuem múltiplas etiologias, incluindo: cáustica, péptica, pós cirúrgica, por esofagite eosinofílica, pós ablação e ressecção endoscópica e pós radioterapia. As estenoses potencialmente possuem um impacto negativo significativo na qualidade de vida dos pacientes levando, não só a disfagia, mas também a desnutrição, perda de peso e risco de broncoaspiração. A maioria das estenoses benignas são tratadas com dilatação por sonda (“bougie”) ou balão, com resolução após 1 ou somente poucas sessões.  Contudo 30% – 40% das estenoses possuem recorrência em longo prazo. Em um grupo de pacientes (<10%), pelo menos 5 dilatações para, pelo menos, 14 mm não conseguem estabelecer adequada e persistente passagem do bolo alimentar. Esses casos são definidos como estenose esofagiana benígna refratária (RBES)

Algumas alternativas técnicas podem ser utilizadas para se evitar o tratamento cirúrgico, ou mesmo a necessidade de suporte nutricional via gastrostomia, entre elas cita-se: dilatação associada a injeção de esteroides no sítio de lesão, uso de próteses auto expansíveis plásticas ou metálicas, e mesmo auto dilatação. Tais técnicas possuem resultado ainda não bem estabelecido na literatura, com dados incertos sobre sua eficácia e pequeno tempo de seguimento dos pacientes.

Objetivo:

Avaliar o resultado do seguimento de longo prazo em pacientes com estenose esofagiana benigna refratária (> 6 meses)

Pacientes e método:

Análise retrospectiva de prontuários dos últimos 15 anos em dois centros terciários acadêmicos (Humanitas Research Hospital, Milan, Italy, e Hospital of the University of Pennsylvania, Philadelphia, Pennsylvania, USA). Selecionados pacientes com diagnóstico de estenose esofagiana recorrente ou refratária, definidos como a persistência ou recorrência de disfagia apesar do tratamento por, ao menos, 5 sessões de dilatação.

Foram realizadas sessões de dilatações com vários tipos de aparelhos, de diferentes marcas e diâmetro, com uso ou não de radioscopia, de acordo com a disponibilidade local de instrumentos, as características da estenose e o tipo de tratamento aplicado. O tratamento incluiu dilatação com sonda (“bougie”) ou balão, injeção de esteroides, colocação de próteses, realização de gastrostomia e cirurgia.

Foram extraídos de prontuário: dados clínicos e demográficos de cada paciente, incluindo sexo, idade do diagnóstico, etiologia, local e extensão da estenose, tipo e números de tratamentos aplicados, tempo livre de disfagia entre os tratamentos, resultados finais e eventos adversos.

O resultado primário avaliado foi a resolução clínica de disfagia definida por: manutenção do status livre de disfagia por, ao menos, 6 meses, sem necessidade de abordagem adicional no seguimento. Resultado desfavorável foi definido como a necessidade de abordagem adicional com tratamento endoscópico, gastrostomia ou cirurgia nesse intervalo.

Resultados:
  • Selecionados 70 pacientes com RBES (46 homens; média de idade de 60 anos
  • Seguimento médio de 43.9 meses (3.7-157 meses)
  • Etiologia:
    • Cáustica – 7 (10%)
    • Pós radioterapia – 10 (14,3%)
    • Cirúrgica – 22 (31,4%)
    • Mista – 28 (40%)
    • Pós inflamatória – 3 (4,3%)
  • Localização da estenose:
    • Cervical – 29 (41.4%)
    • Esôfago médio – 8 (11.4%)
    • Esôfago distal – 29 (41.4%).
    • Múltipla – 4 (5.8%)
  • Extensão da estenose:
    • < 2 cm – 15 (21.4%)
    • Entre 2 – 5 cm – 14 (20%)
    • > 5 cm – 7 (10%)
    • Informação não disponível – 34 (48.6%).
  • Todos os pacientes foram submetidos a sessões sequenciais de dilatação pneumática ou por sonda – média de 15.5 sessões por pacientes
  • Injeção de esteroide foi usada em 20 pacientes (28.6%), média de 1.65 sessões por paciente (1-7 sessões).
  • Stents
    • Metálico auto expansível (SEMSs) – 18 (25.7%) pacientes
    • Biodegradável – 14 (20%) pacientes
  • Eventos adversos:
    • Perfuração – 3 pacientes (4.3%)
    • Fistula – 4 (5.7%) – 2 em casos de dilatação e 2 em colocação de stent
    • Duas mortes (3%) foram relacionadas a RBES
  • A resolução dos casos RBES foi alcançada em somente 22 dos 70 (31.4%) pacientes.
  • A taxa de sucesso foi menor nos pacientes que foram tratados também com stents ( [OR] 3.7; 95% [CI], 1.01-18.0).
    • O tempo médio livre de disfagia foi de 3.3 meses (95% CI, 2.4-4.1) para pacientes tratados com dilatação e 2.4 meses (95% CI, 1.2-3.6) para pacientes tratados com stent (P = .062).
  • Ao longo do tempo, o tempo total livre de disfagia aumentou em uma taxa de 4.1 dias (95% CI, 1.7-6.4) por dilatação.
Conclusões:

O estudo apresentado demonstrou um resultado desapontador no seguimento a longo prazo das estenoses esofagianas benígnas refratárias, com resolução clínica alcançada somente em 1 a cada 3 pacientes. O tempo livre de disfagia foi relativamente pequeno, afetando a qualidade de vida. Stents não parecem afetar o resultado o tratamento dos pacientes com RBES.

Comentários:

O presente estudo constitui-se em uma das grandes séries da literatura que abordam pacientes com estenose esofagiana benígna refratária e apresentam dados de grande valor na avaliação e seguimento de tais casos. Assim como outras séries, percebe-se a complexidade no manejo dos pacientes com estenose refratária e baixa percentagem de resolução clínicas de tais casos.

Ao se analisar os dados detalhadamente, percebe-se que a maioria das estenoses refratárias descritas são de conhecido díficil manejo, como as de localização cervical (41.4% dos casos) e de maior tamanho (>2 cm em 21/36 – 58.3% – de tamanho conhecido), e que portanto, necessitam de abordagens em centros terciários especializados.

Chama atenção ainda, a incapacidade dos stents atualmente disponíveis em melhorar o resultado endoscópico final de tais pacientes. Novos stents específicos para tais lesões são necessários.

O fato do trabalho ser retrospectivo, não randomizado, não usar algorítmos definidos no tratamento e não usar escores de disfagia na avaliação traz limitações, sem dúvida. Estudos prospectivos e com desenho específico serão bem vindos.

 

Natural history and management of refractory benign esophageal strictures

DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.gie.2016.01.053

Alessandro Repici, Aaron J. Small,  Aaron Mendelson, Manol Jovani, Loredana Correale, Cesare Hassan, Lorenzo Ridola, Andrea Anderloni, Elisa Chiara Ferrara,Michael L. Kochman.

+ posts

Especialista em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva, Ecoendoscopia e Colangiopancreatografia Endoscópica Retrógrada pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Médico Endoscopista, Preceptor da residência médica do Hospital Edgard Santos - Universidade Federal da Bahia


Compartilhe:

Deixe seu comentário