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CPRE em mulheres grávidas é seguro ?

por Guilherme Sauniti
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Já são muito bem reportados todos os benefícios que os procedimentos endoscópicos podem trazer atualmente aos nossos pacientes. Porém, para uma especial parcela destes pacientes, as gestantes, a eficácia clínica e segurança ainda suscitam dúvidas.

As gestantes estão sujeitas a vários riscos durante os procedimentos endoscópicos, como hipóxia e hipotensão, parto prematuro, trauma e teratogênese. Como regra, os procedimentos devem ser adiados para após o parto.

Porém, as gestantes também estão sujeitas à várias urgências, como : hemorragias digestivas, obstruções intestinais, neoplasias, dificuldade de alimentações e outras, que demandam a realização de procedimentos endoscópicos. Dentre estes, a coledocolitíase é umas das complicações que podem ocorrer durante a gestação e as vantagens de um procedimento menos invasivo, como a colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE), são maiores em relação à procedimentos abertos. Outras situações que podem requerer uma CPRE durante a gestação e que dificilmente podem ser postergadas para depois do término da gravidez são: obstruções biliares malignas, colangite e  fístulas ou estenoses biliares.

A gravidez aumenta a chance de colelitíase pois o estrógeno produz aumento na síntese de colesterol, aumentando sua saturação na bile, associado a menor motilidade da vesícula, causada pela progesterona. Apesar da prevalência de 3 a 12% de colelitíase, a coledocolitíase é estimada em cerca de 1 em cada 1000 gestações.

Preparo:

A segurança do procedimento deve abranger todas as áreas. Deve-se sempre contar com a avaliação e sedação pela equipe de anestesia, que será responsável pela escolha das drogas, conforme o trimestre de gestação, manutenção de oxigenação e pressão arterial adequada. A equipe de ginecologia deve ser consultada, com avaliação do feto antes e depois do procedimento. Por fim, o procedimento obrigatoriamente deve ser realizado por profissional capacitado, e com larga experiência, sendo que médicos em treinamento ou profissionais com poucos procedimentos não devem realizar CPRE em gestantes, sem supervisão.

Indicação e tempo de realização:

A indicação adequada é fundamental. Apenas procedimentos com intuito terapêutico devem ser realizados, visto que as complicações habituais da CPRE, podem ser potencialmente mais graves em gestantes.  Colangite, pancreatites biliares graves, coledocolitíase ou lesões ductais são as indicações mais comuns. Vale citar, que adiar procedimentos com indicação formal, com frequência é uma conduta mais deletéria do que possíveis riscos da CPRE.

Em geral, há maior preocupação em indicar procedimentos endoscópicos no primeiro trimestre. Em estudo retrospectivo, CPREs realizadas no primeiro trimestre não diferiram em número de complicações em relação a população geral, porém, houve maior taxa de nascidos pré termo e de baixo peso. Entretanto, também se demonstrou em outro estudo, que a conduta conservadora em pacientes com coledocolitíase levou a maior número de complicações, reinternações , e por fim, maior número de cesarianas. Assim , o tempo ideal de indicação ainda não foi definido.

Precauções:

Radiação

A exposição à radiação é um fator de grande importância e o de maior preocupação. Esta pode ser extremamente deletéria, causando alterações que inclusive podem levar ao abortamento, ou acumulativas, causando danos após longos períodos, como a leucemia. Não há protocolos ou estudos que possam afirmar com certeza os níveis de radiação de segurança. Algumas sociedades de obstetrícia publicaram que um nível de radiação abaixo de 50 mGy estão associados a baixas taxas de aborto e má formações (14s de fluoroscopia em geral liberam cerca de 0,5 mGy de radiação).  Há grande variação pessoal na absorção de radiação, assim não se pode estabelecer padrões. Outros fatores como, tipo de equipamento, uso de proteção, posicionamento do paciente e técnica do endoscopista, parecem ser tão importantes quanto o tempo de fluoroscopia. Deve-se sempre ter em mente, que os efeitos são mais nocivos no primeiro trimestre (efeito tudo ou nada), e sugere-se que toda mulher em idade reprodutiva realize teste de gravidez antes de ser submetida a CPRE.

Várias medidas podem ser adotadas visando diminuir o tempo de exposição:

  • Usar o menor tempo possível para adquirir imagem necessária.
  • Intensificador de imagem o mais próximo possível do paciente
  • Usar colimadores
  • Evitar modos de zoom
  • Utilizar equipamentos modernos com modulação manual de potência (mínimo de 75 Kv)
  • Evitar fotografar procedimentos (há maior dose de radiação em equipamentos que guardam imagens)
  • Utilizar proteção – aventais de chumbo

Há várias publicações, com baixo número de pacientes, de CPRE sem uso de fluoroscopia. Em geral, são procedimentos onde após cateterização profunda (técnica americana, com introdução de cateter tipo “tandem”) onde há aspiração com saída de bile, seguida pela colocação do fio guia e papilotomia com remoção dos cálculos (nota do editor: aparentemente há a certeza do número de cálculos por exames de imagem anteriores). Há também descrição do procedimento em duas etapas, sendo a primeira etapa com colocação de prótese (com técnica semelhante a anterior), e a segunda, após nascimento, com terapia definitiva. Não há indicação formal de nenhum tipo de terapia sem radiação, por falta de estudos.

Bisturi elétrico

O líquido amniótico conduz corrente elétrica, assim a placa do bisturi elétrico deve ser posicionada acima do abdômen (tórax de preferência).

Complicações:

Há poucos estudos específicos com gestantes, mas os dados demonstram que as taxas de perfuração, sangramento e infecção não diferem da população normal submetida à CPRE. Porém, há maior taxa de pancreatite (12% vs 5%), provavelmente pela maior dificuldade do procedimento (uso de fluroroscopia, alterações anatômicas) e menor uso de stents pancreáticos.

Em suma, diante de uma indicação formal de terapêutica por CPRE, com equipe e materiais adequados, e com os cuidados acima, os procedimentos são seguros, e de pouco risco para o feto e para a mãe.

Particularmente tenho pouca experiência, tendo realizado apenas 3 CPREs em gestantes. Uma no primeiro trimestre, uma no segundo e uma no terceiro. Todas com coledocolitíase e icterícia. As três foram monitoradas com cardiotocografia e ultrassonografia fetal imediatamente antes e após o procedimento. Todas em posição supina, com avental duplo sob o dorso e sobre o abdômen. Em uma delas (primeiro trimestre), utilizei gadolínio como contraste, por orientação da equipe de ginecologia, para evitar possíveis má formações de tireoide (aparentemente este risco está restrito ao uso de iodo endovenoso). Os procedimentos não tiveram qualquer tipo de complicação. Foram resolutivos e com baixo tempo de uso total de radiação (menor que 1 minuto). Não houve acompanhamento pós exame.

Portanto, CPREs em gestante são raras, porém, podemos ser solicitados a avaliar e realizar o procedimento em gestantes.

Você tem experiência? Comente abaixo e divida seu conhecimento com a gente!

Veja mais sobre Endoscopia

Bibliografia :

  1. Savas N. Gastrointestinal endoscopy in pregnancy. World J Gastroenterol. 2014 Nov 7;20(41):15241-52. doi:10.3748/wjg.v20.i41.15241. – Open Acces
  2. Agcaoglu O, Ozcinar B, Gok AF, Yanar F, Yanar H, Ertekin C, Gunay K. ERCP without radiation during pregnancy in the minimal invasive world. Arch Gynecol Obstet. 2013 Dec;288(6):1275-8. doi: 10.1007/s00404-013-2890-0.
  3. Magno-Pereira V, Moutinho-Ribeiro P, Macedo G. Demystifying endoscopicretrograde cholangiopancreatography (ERCP) during pregnancy. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017 Dec;219:35-39. doi: 10.1016/j.ejogrb.2017.10.008.

Confira também: CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II

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Doutor em Gastroenterologia pela FM-USP.
Especialista em Cirurgia do Aparelho Digestivo (HCFMUSP), Endoscopia Digestiva (SOBED) e Gastroenterologia (FBG).
Professor do curso de Medicina da Fundação Educacional do Município de Assis - FEMA.
Médico da clínica Gastrosaúde de Marília.


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4 Comentários

Guilherme Sauniti 17/07/2018 - 9:05 am

Bruno, em geral, a fonta de radiação ionizante nestes aparelhos tradicionais que utilizamos vem de baixo. A radiação bate na mesa, parte passa por ela e pelo paciente e chega no intensificador, o outra parte reflete para toda a sala. Por isso a utilização de um avental abaixo do paciente (junto a mesa, radiação direta) e outro acima (radiação indireta).
Alias, seria importante o médico também utilizar avental que cubra as costas, protetor de tiróide e oculos de proteção. Este último, raros colegas utilizam.

Bruno Martins 07/07/2018 - 7:40 am

Tema muito interessante Guilherme. Parabéns!
Acho que vale a pena um post específico sobre radiação em CPRE.
Por que posicionar um avental de chumbo no dorso da pcte em DDH?

Guilherme Sauniti 26/06/2018 - 3:14 pm

Ola Luiz ! Infelizmente, não dispomos de um serviço de radiologia tão bom quanto o do HC aqui no interior. Seria muito dificil garantir a limpeza total da via biliar sem a certeza de quantos cálculos existiam previamente. Em um dos artigos, uma técnica utiizada era a ultrassonografia durante a CPRE, ajudando a obter imagens da vai biliar.
Os procedimentos que realizei (um foi no HC durante a residencia também) foram exatamente assim: Cateterizar as cegas , aspira bile, injeta contraste e bate uma imagem pra ver quantos cálculos. Limpa a via biliar e uma colangio com oclusão da papila no fim. Quase nenhuma radiação!

Luiz Henrique Mestieri 26/06/2018 - 12:04 am

Guilherme, durante meu estágio no HC fizemos um caso em gestante, sem uso de radiação, utilizando-se a técnica americana, no primeiro trimestre de gestação, sem qualquer intercorrência.
Recentemente, uma gestante de segundo trimestre estava em colangite. Utilizamos cerca de 4 segundos de radiação. Para confirmar a cateterização, após o uso do contraste para mostrar os cálculos e após 3 varreduras da via biliar. Procedimento sem intercorrência. Sob orientação da equipe da ginecologia, não foi necessário uso do gadolíneo, utilizamos OptiRay (ioversol).
Parabéns pelo tema!

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