Home » Tumor Neuroendócrino Gástrico

Tumor Neuroendócrino Gástrico

por Felipe Paludo Salles
Compartilhe:

Os tumores neuroendócrinos gástricos são lesões compostas por hiperplasia das células enterocromafin-like. Os padrões histológicos são variados e confirmam-se pela imunohistoquímica, tendo positividade para marcadores como cromogranina A.

Os tumores neuroendócrinos (TNE) gástricos são divididos clinicamente em três tipos:
Tipo 1: mais comum (80%), ocorre num contexto de gastrite atrófica associado a hipergastrinemia, geralmente múltiplos. Apresentam-se como pequenos nódulos no corpo e limitados à submucosa e mucosa. Geralmente benignos, podendo regredir. As metástases linfonodais são raras, podendo ocorrer em lesões maiores de 2 cm.
Tipo 2: são raros (5%), geralmente menores que 1,5 cm, multifocais no corpo e associado a síndrome neuroendócrina múltipla (MEN tipo 1) e síndrome de Zollinger Ellison. Há metástase em 30% dos casos, preferencialmente quando lesões maiores de 2 cm e com invasão da muscular própria.
Tipo 3: segundo mais comum (15%), é esporádico, solitário e sem associação com gastrite atrófica e sem hipergastrinemia. Ocorrem em qualquer local do estômago e, como os demais, as metástases estão relacionadas com o tamanho, presença de invasão angiolinfática e invasão da muscular própria.

tabela ne 1

A nova classificação histológica dos TNE gástricos, da Organização Mundial de Saúde, é feita através da contagem mitótica em campos de grande aumento (10 HPF) e pelo índice de Ki67, sendo assim divididos em:
Grau I (bem diferenciado, cerca de 90%): Ki67 ≤ 2% e < 2 mitoses/10 campos de maior aumento;
Grau II (bem diferenciado): Ki67 de 3 a 20% e 2 a 20 mitoses/10 cma;
Grau III (pouco diferenciado): Ki67 > 20% e mitose > 20/10 cma.

Quanto a conduta, deve-se considerar a classificação clínica, o grau histológico, o grau de invasão, o número de lesões, o tamanho do tumor e a presença de invasão angiolinfática ou de metástases.

Nos tumores do tipo 1 e 2, nos casos em que há menos de 5 pólipos e o maior deles for inferior a 1 cm é recomendado ressecção endoscópica, se não houver invasão da camada muscular própria (quando diagnosticado por ecoendoscopia antes da ressecção). O acompanhamento é feito com endoscopia digestiva alta anualmente. Quando houver margens comprometidas da ressecção endoscópica, a ressecção cirúrgica local está indicada (gastrectomia subtotal).

Fatores de risco para doença metastática:
– Invasão da muscular própria
– Invasão angiolinfática
– Classificação histológica grau III (pouco diferenciado)

Tumores neuroendócrinos que apresentam qualquer fator de risco para metástase ou classificados clinicamente como tipo 3, está indicada a gastrectomia com linfadenectomia.

Nos casos de metástases, há opções como técnicas de radiologia intervencionista, radioterapia para disseminação óssea sintomática e quimioterapia em doença metastática irressecável.

CASOS CLÍNICOS
Caso 1: feminina, 32 anos, com hipotireoidismo e depressão, refere pirose e epigastralgia diariamente, sem sinais de alarme. Na EDA, evidenciaram-se pólipos em corpo gástrico e gastrite antral erosiva plana moderada, foram feitas polipectomias. À biópsia e imunohistoquímica, constatou-se tumor neuroendócrino (cromogranina positivo) , Grau I (Ki67 < 2%) , apresentando também atrofia, metaplasia intestinal e padrão morfológico sugerindo gastrite autoimune. Exame laboratorial demonstrou hipergastrinemia, anti- célula parietal positivo e deficiência de vitamina B12. A conduta feita foi reposição de vitamina B12 e orientações quanto ao quadro e seguimento endoscópico.

IMAGEM NE 1
CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA: Tipo 1 CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA: Grau I

Caso 2: masculino, 33 anos, com queixa de dispepsia intermitente há 10 meses, tem hipotireoidismo. É irmão da paciente do caso 1. EDA evidenciou pangastrite enantematosa leve e pólipos gástricos. À biópsia e imunohistoquímica, constatou-se tumor neuroendócrino (cromogranina positivo), Grau II (Ki67 7 %) , invadindo submucosa e com margem profunda comprometida. Apresentando também atrofia, metaplasia intestinal e padrão morfológico sugerindo gastrite autoimune. Devido as margens de ressecção comprometidas e grau histológico um pouco mais agressivo foi indicado o tratamento cirúrgico do qual o paciente se recusou em fazer e perdeu o acompanhamento.

tabela ne 2
CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA: Tipo 1 CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA: Grau II

Caso 3: feminina, 37 anos., com queixa de epigastralgia,. Endoscopia evidenciando pólipos em corpo gástrico sendo um com cerda de 10mm, sendo este ressecado por mucosectomia. Diagnóstico histológico e imunohistoquímico compatível com tumor neuroendócrino, invasor da submucosa e margens cirúrgicas comprometidas, associado a gastrite atrófica. Laboratório com hipergastrimenia e investigação de metástase a distância negativa. Paciente submetida a gastrectomia parcial devido margens cirúrgicas comprometidas.

IMAGEM NE 3
CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA: Tipo 1 CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA: Grau I

Caso 4: feminina, 60 anos, HAS prévia, tendo como queixa principal pirose. EDA apresentando 2 pólipos gástricos na grande curvatura sendo o maior com cerca de 8mm. À biópsia e imunohistoquímica, constatou-se pólipo hiperplásico e o outro como tumor neuroendócrino (cromogranina positivo), Grau I (Ki67 <2%), sem invasão angiolinfática, com margem profunda comprometida, sem atrofia associada. Solicitado tomografia de abdome e gastrina sérica. Paciente não retornou e o seguimento do caso foi perdido.

IMAGEM NE 4
CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA: Tipo 3  CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA: Grau I

Discussão
Os pacientes dos casos 1 e 2 possuem hipotireoidismo e atrofia gástrica, sendo por um com gastrite autoimune confirmada, mostrando a relação que pode existir entre as doenças autominues

Os pacientes dos casos 1 e 2 são irmãos sugerindo a associados do tumor neuroendócrino com fatores genéticos ou com doenças autoimunes que levam a atrofia da mucosa gástrica

Os pacientes dos caso 2 e 3 apresentaram margem cirúrgica comprometida após a ressecção endoscópica tendo sido indicada complementação cirúrgica das lesões.

O paciente do caso 4 apresentava lesão única não associada a gastrite atrófica o que poderia sugerir a classificação clinica como tipo 3. Fala contra este hipótese o pequeno tamanho da lesão.

Conclusão
Apesar de ser uma neoplasia rara, tem-se demonstrado um aumento progressivo da incidência dos tumores neuroendócrinos gástricos e representam atualmente cerca de 10% de todos os TNE gastrointestinais

Constituem um espectro de neoplasias com características clínico-patológicas, mecanismo patogênico e prognóstico diferentes do adenocarcinoma

O conhecimento deste complexo tema com suas classificações e apresentações é de fundamental importância para a condução adequada de tumores desta linhagem

Bibliografia
Dal Pizzol AC, Linhares E, Gonçalves R, Ramos C. Tumores Neuroendócrinos do Estômago: Série de Casos. Revista Brasileira de Cancerologia 2010; 56(4):453-461, Outubro 2010.

Pathology and Genetics of Tumours of the Digestive System. World Health Organization Classification of Tumours 2010. p. 53-57.

College of American Pathologists .Protocol for the Examination of Specimens From Patients With Neuroendocrine Tumors (Carcinoid Tumors) of the Stomach. Based on AJCC/UICC TNM, 7th Edition.

Ruszniewski P, Delle Fave G, Cadiot G, et al. Frascati Consensus Conference; European neuroendocrine Tumor Society. Well-differentiated gastric tumors/ carcinomas. Neuroendocrinology 2006;84:158–64.

Website | + posts

Residência em Endoscopia Digestiva no Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP)
Residência em Gastroenterologia no Hospital Universitário da UFSC
Presidente da SOBED / SC na gestão 2018-2020
Médico da clínica Endogastro em Florianópolis e ProGastro em Joinville


Compartilhe:

9 Comentários

Renzo 23/04/2015 - 11:30 pm

Acho que vc resumiu bem Bruno. É isso aí !

Bruno Martins 23/04/2015 - 11:19 pm

Concordo Renzo. O que mais preocupa é que o patologista não conseguiu definir se as margens estão livres de ressecção. Fui buscar na literatura e não achei nada que justificasse mudança de conduta (ex cirurgia) pelo fato do Ki67 intermediário (no seu caso grau 2). Por outro lado, em um artigo que revisou 20 casos de TNE metastáticos, os pacientes apresentavam lesões com tamanho médio de 20 mm e Ki67 médio de 6.8%.
As possibilidades neste seu caso:
1. Cirurgia
2. Existem relatos de análogos da somatostatina para pacientes que recusaram a cirurgia.
3. Exames de imagem para mapeamento: Pet CT com Gálio 68 e/ou ECO eda para avaliação de linfonodomegalia regional

Metastatic type 1 gastric carcinoid: a real threat or just a myth? World J Gastroenterol. 2013 Dec 14;19(46):8687-95. (free full text)

Felipe Paludo Salles 23/04/2015 - 11:09 pm

Exatamente, pelo ki67 de 8% e por nao ter tido margens livres. Nos casos 2 e 3 que apresentei aconteceu exatamente a mesma coisa. Expliquei tudo de forma clara aos pacientes. Um deles optou por cirurgia o outro não apareceu mais para acompanhamento.
Este é um tema complexo, que ainda é muito conduzido de forma empírica. Por isto logo iremos fazer um novo post focando apenas no tratamento destas lesões para podermos discutir mais sobre o assunto.

Renzo 23/04/2015 - 5:36 pm

Olá, Felipe! Quando dosei a gastrina ela não estava usando IBPs não. Veio com algumas endoscopias mostrando algumas lesões prévias q o colega concluiu como “polipose de glândulas fundicas” (?) , porém no AP como dito veio carcinoides. Quando realizei a EDA só havia uma lesão , porém quando fiz a mucosectomia dava a impressão q a lesao se aderia a planos mais profundos. Acho q sem dúvida o acompanhamento dessas lesões é possível c segurança, mas nesse caso acho q vale a pena discutir c a paciente e informá-la q mesmo sendo uma lesão indolente de excelente prognóstico o risco de metástases não é nulo.

Felipe Paludo Salles 23/04/2015 - 3:38 pm

Renzo, algumas considerações:
1- O paciente não estava tomando IBP quando dosou a gastrina sérica ? Se não….confirma tipo clinico 1, que corrobora com a atrofia gástrica.
2- Era uma lesão única e que foi ressecada? Se não, outras lesões devem ser investigadas.

A invasão da submucosa no tumor neuroendócrino é esperada, pois o tumor cresce na lâmina própria. O que não pode ter é invasão da muscular própria (quarta camada na ecoendoscopia) e nem invasão angiolinfática pela histologia.

A questão é que o patologista provavelmente não conseguiu avaliar o compromentimento profundo, lateral e nem angiolinfático. Isto acontece com frequencia quando realizamos mucosectomia simples. Pois ressecamos a mucosa e apenas um segmento da submucosa.

No tumores neuroendócrino sempre que possível, temos que realizar técnicas de ressecção endoscópica profunda que ressecam a mucosa e toda a submucosa. São exemplos destas técnicas:
– ligadura elástica + ressecção
– ressecção profunda com alça monofilamentar
– ESD

No seu caso acho difícil esta lesão hepática tratar-se de uma meta do tumor neuroendócrino. Pois apesar de ter um Ki67 8% (intermediário), a lesão era menor que 1cm e trata-se de um tipo clinico I que costuma ter um melhor prognóstico.

Mas acho que deve continuar a investigação do nódulo hepático. Quanto a fazer ecoendoscopia no sitio da lesão, neste momento devido a fibrose dificilmente irá acrescentar algo.

Renzo 23/04/2015 - 3:00 pm

Solicitei uma RNM c contraste dinâmicos, para melhor avaliação da lesão hepática. Na minha opinião tem indicação cirúrgica, mas será q essa lesão está relacionada c a neoplasia neuroendócrina ? Valeria a pena uma biópsia guiada antes da cirurgia ?

Renzo 23/04/2015 - 2:55 pm

Paciente de 60 anos veio do interior com o diagnóstico endoscópico de “polipose de glândulas fundicas” , porém na biópsia apresentou tumor carcinoide tipo I com Ki 67 de 2 % (grau I). Realizei a endoscopia dessa paciente e a mesma apresentava pangasrite atrófica c uma lesão de 8mm na pequena curvatura do corpo distal. Fiz biópsias de acordo c o protocolo de Olga e efetuei a ressecção da lesão p mucosectomia. Nesse novo AP. havia comprometimento da submucosa c um Ki de 8% (grau II). Discutido o caso c patologista q não confirma margens livres (?). Solicitei cromogranina , gastrina e vit. B12 que estava alta, alta e baixa respectivamente. A TC de abdome exibe uma lesao hipervascularizada no segmento VII (hiperplasia nodular focal ? Metastase de tumor neuroendócrino?). Oq acham ???

Bruno Martins 22/04/2015 - 8:53 am

Felipe, estou com um caso muito parecido com este seu numero 4: paciente sexo masc, 25 anos, lesão de 1 cm, sem gastrite atrófica (nem pela EDA nem pelo AP), com TNE na pequena curvatura de corpo, Ki67<2%. Suspeitei de um TNE tipo III, porém em na fase inicial. Pensei em fazer uma mucosectomia. O que vc acha?

Felipe Paludo Salles 22/04/2015 - 9:12 am

Primeiro deve-se confirmar a classificação clinica através da dosagem de gastrina sérica (sem o paciente estar usando IBP por 3 semanas). Se a gastrina sérica for normal, trata-se de um tipo 3 clinicamente com grau histológico I. Como a lesão tem até 1cm, é passível de ressecção endoscópica, mas sendo um tipo 3 é necessária a investigação previa de possível metástase linfonodal e a distância.

Deixe seu comentário