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Balão Elipse, um balão intragástrico que não necessita de sedação ou endoscopia: estudo piloto com 12 meses de seguimento

por Flávio Ferreira
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Durante a ObesityWeek 2017 foi anunciada a publicação do maior consenso anual sobre balão intragástrico, justamente sobre a experiência brasileira envolvendo nada menos que 40.000 casos em 17 anos de experiência. Artigo original: The elipse balloon, a swallowable gastric balloon for weight loss not requiring sedation, anesthesia or endoscopy: A pilot study with 12-month outcomes ; Publicado na  Surg Obes Relat Dis. 2017 Jul;13(7):1174-1182. doi: 10.1016/j.soard.2017.02.016. Epub 2017 Feb 21 O estudo avalia o seguimento de 12 meses do balão “Elipse” (Allurion Technologies, Natick, MA, USA) na perda de peso. Trata-se de balão intragástrico ingerido sem necessidade de endoscopia.

Métodos:

Material: O balão encontra-se comprimido dentro de uma pequena cápsula acoplada a um cateter de insuflação. Em alguns casos um tipo de guia/mandril pode ser colocado dentro do cateter para torna-lo mais rígido e possibilitar a passagem da cápsula, ainda assim sem sedação ou endoscopia. Após confirmação do posicionamento do balão através de radioscopia, insufla-se 550ml de uma solução de ácido cítrico e sorbato de potássio. Em seguida, o cateter é tracionado, liberando o balão no estômago. O tempo de permanência do mesmo é de cerca de quatro meses. Há uma válvula de segurança que fica dentro do balão. Quando o revestimento externo se degrada e expõe a válvula, a mesma “se abre catastroficamente, permitindo o esvaziamento do balão em minutos”.  O balão então, vazio,  é expulso espontaneamente.

Critérios de inclusão:

  • IMC >27-40;
  • ausência de lesão ortopédica crônica;
  • ausência de medicação para perda de peso nos últimos 30 dias;
  • pacientes sem história de tromboembolismo/álcool/tabagismo ou uso de drogas ilícitas;
  • perda de peso <5% do peso corporal nos últimos 6 meses;
  • ausência de cirurgias abdominais, exceto videolaparoscopia.

Critérios de exclusão:

  • Cirurgia gástrica;
  • comorbidades graves (DPOC, DAC, angina instável, arritmia);
  • antecedente de pancreatite ou obstrução intestinal;
  • hérnia hiatal >2cm;
  • doença inflamatória;
  • câncer;
  • bulimia, binge eating disorder / night eating disorder;
  • doença psiquiátrica não controlada;
  • síndrome  de Prader-Willi;
  • diabetes não controlada;
  • hipotireoidismo;
  • imunossupressão;
  • uso de esteroides/corticóides;
  • quadro infeccioso ativo.
Além dos critérios citados, era realizado um questionário com escores de um a cinco envolvendo os seguintes itens: a) objetivo em participar do estudo, b) aceitação em modificar dieta, c) adequação a realizar registro de peso/dieta durante 7 dias , d) aderência a agendamento e visitas do programa, e) tentativas prévias de perda de peso e rotina de exercícios físicos, f) atividades atuais com objetivo de perda de peso.  Escores inferiores a três, em qualquer área, excluíam o paciente do estudo. Seguimento: Após eliminação do balão era realizado um questionário sobre o impacto do peso na qualidade de vida (IWQoL-Lite questionnaire) e exames laboratoriais. Não era fornecido acompanhamento nutricional ou de exercícios após expulsão do balão. Após 12 meses, o paciente realizava medida de peso, circunferência abdominal e novo questionário sobre impacto do peso na qualidade de vida.

Resultados

Doze pacientes (7 femininas) foram incluídas com idade média de 41 anos (18-59), e excesso de peso de 32 kg (18-47,8).  Todos pacientes engoliram o balão, dos quais seis necessitaram do mandril (50%).  Tempo médio do procedimento foi de 16,3 + 4,7 minutos. Onze (92%) balões foram insuflados com sucesso. Um paciente ficou ansioso e não aguardou a cápsula migrar para o estômago, pedindo para retirar o balão o que acarretou na liberação da cápsula.  Foi realizada endoscopia que não evidenciou alterações anatômicas. A cápsula foi excretada com 12h. O paciente foi excluído da avaliação estatística. Tempo de permanência do balão: 122,4 dias (100-142). Todos foram excretados sem intercorrências; dos quais nove (75%) por via retal e 3 (25%) através de vômitos.
  1. Perda de peso:
Eliminação 12 meses
Perda de peso total (%TBWL) 14,6% (-0,2 a 27,1%) 5,9% (-12,6 a 18%)
Excesso de peso perdido (%EWL) 50,2% (-0,5 a 83,4%) 17,6% (-62,1 a 58,1%)

Após 12 meses, seis pacientes (54.5%) mantiveram perda de peso de pelo menos 40% do peso perdido na remoção do balão; e dois pacientes (18,2%) ganharam mais peso do que o perdido inicialmente. Não houve perda de seguimento. O reganho de peso citado após retirada do balão é descrito com todos os outros modelos de balão intragástrico, sendo uma das principais limitações do método.

2. Queixas relacionadas a acomodação do balão ocorreram com maior frequência nas duas semanas iniciais e no período próximo da eliminação.

3. Impacto sobre o peso na qualidade de vida e facilidade de ingesta da cápsula

A dificuldade em ingerir o balão foi avaliada em uma escala de 0 (mais fácil) a 10 (mais difícil), sendo utilizado valor de 10 para pacientes que necessitaram do mandril para deglutir a cápsula.  O valor médio encontrado foi de 6,6 no total e de 2,6 para pacientes que não usaram o mandril.  Assim como outros estudos houve importante melhora no escore de impacto do peso na qualidade de vida que se mantiveram no seguimento de 12 meses.

Opinião:

Em teoria o balão parece promissor, com perda de peso equiparável a de balões intragástricos utilizados rotineiramente, apresentando como vantagem não requerer endoscopia, tanto para colocação quanto para retirada, reduzindo custos e morbidade.

Algumas considerações no entanto devem ser tomadas sobre os resultados apresentados.

Deve-se considerar um importante viés de seleção, já que não fica claro quais critérios foram utilizados no questionário sobre registro de peso/ dieta, “atividades atuais com objetivo de perda de peso”, “aceitação em modificar padrão de dieta”.  Há relato de que pacientes que obtivessem scores inferiores a três eram excluídos do estudo, porém não há definição do que era levado em consideração para chegar a esse escore, o que era considerado como “ponto de corte”. A ausência dessa informação prejudica muito a credibilidade dos resultados demonstrados, pois através dele os pesquisadores poderiam excluir grupos de pacientes específicos.

Na tabela de comparação com outros balões, é evidente a grande diferença na casuística entre o Elipse (11 casos), Reshape Duo (187), Obalon (185) e Orbera (125 casos), este último uma marca amplamente difundida no país. A pequena quantidade de casos torna inviável extrapolar esses dados para a população geral.

A comparação de perda de peso é realizada em momentos diferentes entre o modelo Elipse e os outros balões, sendo de 4 meses para o Elipse e 6 meses para Orbera. É importante ressaltar que cerca de 90% da perda de peso durante terapia com balão intragástrico ocorre justamente após 4 meses.  Em contrapartida, não houve acompanhamento nutricional após o procedimento, o que poderia causar impacto negativo nos resultados quando comparados a outros modelos de balão onde esse acompanhamento é realizado.

Um dado particularmente preocupante se refere a maneira de eliminação do balão. Na descrição, o relato é de que a ruptura da cápsula interna permite “esvaziamento do balão em minutos”, diferindo dos outros modelos de balão intragástrico onde o esvaziamento é controlado pelo médico durante o procedimento de retirada. Mesmo em casos de hiperinsuflação ou ruptura espontânea do balão, verifica-se que ocorre vazamento (geralmente na região da válvula) com esvaziamento gradual do dispositivo. A que risco o paciente pode estar exposto se a ruptura da válvula com esvaziamento súbito de 550ml de líquido ocorrer à noite, com o paciente deitado?  Durante atividade física?   Além disto, há relato de 25% de expulsão do balão através de vômitos, havendo risco inegável de broncoespasmo/broncoaspiração. Seria possível haver impactação do balão na região do cricofaríngeo causando angústia respiratória?? Durante a remoção de outros modelos de balão é comum haver maior resistência justamente na região do esfíncter superior do esôfago, requerendo por vezes manobras de hiperextensão para manter saturação adequada ou deslocamento do balão de volta ao esôfago para permitir melhor oxigenação do paciente.

Além de todo exposto, a endoscopia permite identificar situações específicas que possam representar contra-indicação relativa ou absoluta (um dos critério de exclusão do estudo era hérnia >2cm), como presença de esofagite grave e úlceras pépticas por exemplo.

A meu ver, o estudo apresenta falhas em seu desenho que comprometem os resultados, além de não passar segurança sobre dois momentos cruciais do balão: esvaziamento e retirada. O risco de broncoaspiração tanto pela ruptura do balão (não descrito) como pelo risco de eliminação através de vômitos (25%) desencoraja sua aplicação.

Clique aqui para ler o artigo original

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Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED);
Especialização em Endoscopia Digestiva na Universidade de São Paulo (USP);
Mestrado em Cirurgia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE);
Médico endoscopista da NeoGastro (PE);
Coordenador do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Otávio de Freitas (PE)


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