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Dieta pobre em resíduos vs dieta líquida antes da colonoscopia: uma metanálise de trabalhos randomizados e controlados

por Renzo Feitosa Ruiz
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A colonoscopia é extremamente importante para a identificação e remoção de pólipos. O preparo intestinal antes do exame é essencial para visualização adequada da mucosa. Tradicionalmente, os pacientes são instruídos a consumir apenas líquidos claros no dia anterior ao procedimento, no entanto, estudos recentes mostram resultados variados em relação a adoção de uma dieta pobre em resíduos versus uma dieta líquida na véspera da colonoscopia.
Objetivo:

Realizar revisão sistemática e metanálise de estudos comparativos onde dois grupos de pacientes foram submetidos a colonoscopia e consumiram uma dieta líquida (DL) versus dieta pobre em resíduos (DPR), na véspera do exame.

Métodos: Pesquisa nos bancos de dados: Scopus, PubMed / MEDLINE, Cochrane, e CINAHL.

A análise foi realizada usando os modelos DerSimonian e Laird Mantel-Haenszel, ou com o odds ratio (OR). Sendo os desfechos: qualidade do preparo, tolerabilidade, vontade de repetir a dieta e efeitos adversos.

Resultados: Nove estudos (1686 pacientes) foram incluídos.

O grupo de pacientes que consomem uma DPR comparado ao grupo da DL apresentou taxas significativamente maiores de tolerabilidade (OR 1,92; IC 95%, 1,36-2,70; P <0,01) e vontade de repetir o preparo (OR 1,86; IC 95%, 1,34-2,59; P < 0,01), sem diferenças em relação a qualidade do preparo (OR 1,21; 95% CI, 0.64-2.28; PZ 0,58) ou efeitos adversos (OR 0,88; IC 95%, 0,58-1,35; PZ 0,57).

Conclusão: Uma DPR antes da colonoscopia resultou em melhor tolerabilidade pelos pacientes e uma maior vontade de repetir o preparo. Não houve diferenças quanto aos efeitos adversos ou qualidade do preparo. Esse resultado sugere que a dieta líquida deva ser substituída pela dieta pobre em resíduos.

Comentário:

O resultado desse estudo é no mínimo questionável devido ao grande número de vieses, sendo um dos principais a ausência de dados sobre o nível de instrução e compreensão dos pacientes. Esse tipo de viés tende a ser maior em países em desenvolvimento. Nessa metanálise, 200 pacientes do Líbano estão incluídos. Não que esse seja um fator determinante para dizer que o resultado desse estudo está completamente equivocado, mas não há dúvidas que isso deva ser levado em consideração. Explico o porquê. Notem; no Brasil todos sabemos que há diferenças brutais entre os sistemas público e privado, não só em relação a qualidade do atendimento e a infraestrutura, mas também em relação ao grau de instrução e compreensão dos pacientes, portanto esse fato não pode ser menosprezado, e obviamente isso influencia no resultado final do presente trabalho. Sabemos que a orientação dos pacientes para a realização do preparo da colonoscopia (dieta e as medidas a serem adotadas na véspera) é fundamental para que a preparação intestinal tenha sucesso. Não é raro em nossa prática clínica, observarmos algumas situações que contradizem o resultado desse estudo. Diversas vezes quando adotamos uma dieta líquida restrita conseguimos um preparo de melhor qualidade em comparação com a dieta pobre em resíduos; isso se torna mais evidente quando os pacientes apresentam níveis socioculturais mais baixos.

Apesar dessa metanálise ser composta por trabalhos randomizados, há outros vieses que também contribuem para diminuir a relevância do seu resultado, são eles:

  • A metanálise é composta de estudos de baixa qualidade: dos 9 estudos selecionados, 5 apresentam pontuação 3 na escala de Jaddad (moderada qualidade) e 4 apresentam pontuação 2 (baixa qualidade).
  • A substituição das dietas pobres em resíduos variou: alguns permitiram essa dieta somente pela manhã, outros em duas refeições, e alguns substituíram as três refeições.
  • Foram adotados diferentes tipos de soluções para o preparo.
  • Alguns estudos usaram dietas pré-fabricadas e outros dietas baseadas em protocolos próprios.
  • As escalas de avaliação do preparo não foram as mesmas.
  • Os estudos incluídos nessa metanálise foram baseados em “abstracts”.

 

 

E como discutido anteriormente, algumas questões essenciais que precisavam ser respondidas:

  • Como foi feita a orientação do preparo (email, telefone, internet, pessoalmente)?
  • O nível de escolaridade dos pacientes?
  • Foram preparos domiciliares ou hospitalares?

 

 

Em resumo, o resultado do presente estudo deve ser visto com parcimônia. Estudos com menos vieses são necessários para se chegar à uma conclusão mais precisa sobre esse tema.

Link do artigo: Nguyen DL, Jamal MM, Nguyen ET, Puli SR, Bechtold ML. Low-residue versus clear liquid diet before colonoscopy: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Gastrointest Endosc. 2016;83(3):499-507.

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Doutorado pelo Depto. de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP

Especialização em Motilidade Digestiva pelo Depto. de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP

Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Israelita Albert Einstein

Médico do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Alemão Oswaldo Cruz


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2 Comentários

Renzo Feitosa Ruiz 21/03/2016 - 9:18 pm

Salles, todos os nove trabalhos incluídos nessa metanálise foram baseados em “abstracts”, portanto as informações são escassas. Não há detalhamento dos itens que compõem as dietas pobres em resíduos; porém em alguns estudos essa dieta foi adotada uma vez por dia, em outros trabalhos duas vezes e em alguns todas as refeições foram substituídas por esse tipo de dieta. Portanto, esse viés com certeza tem impacto na conclusão desse estudo.

Felipe Paludo Salles 21/03/2016 - 4:56 pm

Qual foi a dieta sem resíduo que foi orientada? Algum estudo cita alguma dieta por itens e quantidade de cada alimento que podia ser ingerido?

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