CPRE com sistema troca rápida: menor tempo e menor taxa de complicações.

Cenas que, infelizmente, você já viu antes:

  • fio-guia no chão durante um procedimento difícil;
  • assistente pouco experiente com dificuldade na coordenação do manejo do fio-guia;
  • perda da canulação na troca acessórios.

Para solucionar este tipo de situação, foram desenvolvidas plataformas com fios-guia curtos que permitem uma troca rápida dos acessórios, tornando as CPREs mais seguras e rápidas.

Nesta publicação vamos explorar suas vantagens, funcionalidades e formas de uso.

 

Evolução da endoscopia biliopancreática

A técnica e os acessórios da colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) evoluíram progressivamente ao longo das últimas décadas. Percebeu-se que a melhor opção para a canulação é usar o papilótomo. Posteriormente, ficou claro que a cateterização seletiva com o fio-guia é mais eficaz. Contudo, a manipulação do fio-guia pela técnica tradicional é pouco prática e implica em algumas dificuldades como as citadas no início do texto. Além disso, não diminui a incidência de pancreatite pós CPRE em relação às demais técnicas de canulação(1).

O fio-guia hidrofílico tradicionalmente utilizado na CPRE possui comprimento entre 420 e 480cm, sendo bastante longo para permitir a troca de acessórios “over the wire”. Neste processo, não é raro a perda acidental da canulação ou queda de parte do fio no chão. A necessidade de um excelente grau de comunicação com o auxiliar também pode gerar dificuldade durante o acesso papilar. Enquanto o endoscopista ajusta a posição do endoscópio e do cateter, o assistente fica responsável pela manopla do papilótomo e pelo avanço do fio-guia. A forma como este avanço é feito traumatiza a papila em maior ou menor grau, implicando diretamente no índice de pancreatite pós CPER.(2

 

(Vídeo 1: Removendo o papilótomo tradicional com fio-guia de 450cm. Observem o contraste com os vídeos subsequentes)

 

Visando otimizar as manobras do procedimento, surgiu a ideia de um sistema com fio-guia de manipulação mais fácil e rápida. Este sistema possui três pilares: fio-guia curto (185 a 270 cm), acessórios que permitam troca sobre o fio-guia curto e uma de trava para fixar o guia. O primeiro sistema nesta plataforma foi introduzido no mercado em 1999 pela Boston Scientific o sistema RX. Posteriormente, a Cook em 2004 e a Olympus em 2005, lançaram suas próprias plataformas. (2) Atualmente vários fabricantes como Mediglobe e MI Tech também aderiram ao sistema baseado no fio-guia curto, mas a importação para o Brasil não é universal entre os fornecedores.

 

(Vídeo 2: Montando o dispositivo de trava + deixando o papilótomo com fio-guia curto prontos para a cateterização)

 

Vantagens

    • Índice de Complicações

A intensidade do trauma à papila durante as tentativas de canulação biliar está diretamente relacionado ao índice de pancreatite pós-CPER. Nos papilótomos com fio-guia curto, o endoscopista controla pessoalmente o avanço do guia, permitindo uma coordenação precisa com a movimentação do aparelho e do papilótomo. O endoscopista também recebe o feedback táctil do fio-guia que não é possível na técnica tradicional. Tal característica permite decisões mais precisas quanto à direção, à força utilizada e à resistência mecânica presente contra o avanço do guia.

Um estudo prospectivo randomizado comparando a linha de troca rápida RX da Boston Scientific com a linha padrão do mesmo fabricante obteve um resultado bastante impactante. A amostra planejada de 500 pacientes precisou ser encerrada precocemente em 216 casos devido à significante diferença de eventos adversos com implicações de segurança para o grupo controle. O índice de complicação foi quatro vezes menor (2,8% versus 11,2%) no grupo de pacientes abordados com a linha de troca rápida RX. (3)

 

(Vídeo 3: O endoscopista controla o papilótomo e o fio-guia. Após a cateterização, a remoção do papilótomo é simples, rápida e segura.)

 

  • Tempo de Procedimento e exposição à radiação

O tempo de procedimento também é significativamente menor com os acessórios de troca rápida. O fio-guia curto travado permite uma troca rápida e segura sem a necessidade de ações sincronizadas entre o endoscopista e seu assistente. O método reduz o tempo de procedimento ente 25 a 60%. A exposição à radiação também é significativamente reduzida com menos no tempo de uso da radioscopia.(4)

 

CONCLUSÃO

Diante dos melhores resultados, a migração para o sistema de troca rápida em grande parte dos países foi expressiva. Essa evolução ficou bem ilustrada em estudo tcheco que mostrou uma progressão de zero para 98% dos procedimentos usando a troca rápida em um período de quatro anos em 1506 pacientes(5). Atualmente, 90% dos endoscopistas norte americanos usam troca rápida.

O uso da técnica tradicional de CPRE com fio-guia longo ainda é bastante prevalente no Brasil. A exposição de um maior número de endoscopistas brasileiros ao sistema de troca rápida provavelmente impactará favoravelmente nas CPREs. Mais estudos em nosso país são garantidos.

 

BIBLIOGRAFIA

  1. Bailey AA, Bourke MJ, Williams SJ, Walsh PR, Murray MA, Lee EYT, et al. A prospective randomized trial of cannulation technique in ERCP : effects on technical success and post − ERCP pancreatitis. 2008;296–301.
  2. Reddy SC, Draganov P V. ERCP wire systems: The long and the short of it. World J Gastroenterol. 2009;15(1):55–60.
  3. Buxbaum J, Leonor P, Tung J, Lane C, Sahakian A, Laine L. Randomized Trial of Endoscopist-Controlled vs. Assistant-Controlled Wire-Guided Cannulation of the Bile Duct. Am J Gastroenterol [Internet]. 2016;111(12):1841–7. Available from: http://dx.doi.org/10.1038/ajg.2016.268
  4. Technology Status Evaluation Report, Report E. Short-wire ERCP systems. 2007;66(4).
  5. Maceček J, Staňka B,  Konvička P. Hybrid short-wire ERCP technique, five years of experience. Gastroent Hepatol 2021; 75(3): 200–206.