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CPRE em pacientes pediátricos.

por Guilherme Sauniti
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Imagem da radioscopia mostrando fístula biliar pós-colecistectomia, com identificação de extravazamento de contraste na região do hepatocolédoco médio-proximal.

A colangiopacreatografia retrógrada endoscópica – CPRE é um procedimento endoscópico avançado para diagnóstico e tratamento de diversas afecções biliopancreáticas. Apesar de ser realizado com mais frequencia em adultos, ela apresenta indicações em todas as idades. A realização de CPRE na população pediátrica é menos frequente que em adultos, resultando em protocolos e estratégias adaptados. Porém, nos últimos anos, vem crescendo relatos e estudos específicos para a realização desse procedimento em crianças, ajudando a criar um melhor entendimento das indicações e técnicas para esta faixa etária.

Indicações :

Deve-se ter em mente, que mesmo em pediatria, a CPRE possui perfil relativamente alto de eventos adversos (EA). Portanto, sua indicação deve ser criteriosa, devendo-se lançar mão de procedimentos menos invasivos quando apenas for necessário o diagnóstico. As principais indicações de CPRE em crianças são :

Patologias biliares :

  • Coledocolitíase
  • Manejo de estenoses (pós transplante ou colangite esclerosante)
  • Manejo de fístula biliar (pós colecistectomia)
  • Avaliação de cisto de colédoco ou sua obstrução
  • Avaliação pré-operatória de junção pancreatobiliar anômala
  • Investigação de colestase neonatal
  • Investigação de patologias biliares onde exames menos invasivos não foram conclusivos

Patologias pancreáticas:

  • Pancreatite crônica (melhora da drenagem)
  • Pâncreas divisum
  • Investigação de pancreatite recorrente
  • Manejo de fistula pancreática (pós trauma)
  • Manejo de pseudocisto pancreático
  • Investigação de patologias pancreáticas onde exames menos invasivos não foram conclusivos

 

Alguns estudos demonstram que houve diminuição no número de exames diagnósticos nos últimos 15 anos, porém uma indicação disgnóstica que ainda permanece, e que muitas vezes evita lapatomomias exploradoras é em pacientes neonatais com suspeita de atresia biliar.

Considerações técnicas :

  • Ambiente :

Na maioria das vezes a CPRE em paciente pediátricos é realizada por endoscopistas treinados e com experiência em adultos, sendo a única modificação o paciente.  Em grandes centros de referência pediátricos há endoscopistas habituados em CPRE infantil, onde realizam o procedimento em ambiente preparado para receber este tipo de paciente com equipe treinada para tal.

  • Sedação

Não há consenso sobre a melhor técnica para sedação, já que há estudos mostrando a segurança tanto da sedação feita por endoscopista quanto a sedação feita por anestesista ou mesmo quando esses pacientes são submetidos a anestesia geral.  Alguns trabalhos demonstram uma taxa aumentada de conversão de sedação para anestesia geral, o que pode dificultar a realização da CPRE.

Uma particularidade da população pediátrica é a fragilidade da traquéia, especialmente em paciente com baixo peso (10 a 15 kg), onde a passagem de duodenoscópios standard pode causar sua compressão gerando uma depressão respiratória de difícil controle.

  • Equipamentos específicos

Provavelmente o tópico de maior dúvida.  No artigo utilizado como referência (1), os autores relatam que equipamentos pediátricos são raramente necessários, mesmo em centros de grande volume de exames.  Descrevem que em termos gerais,  duodenoscópios pediátricos (com cerca de 7,5 a 8,6 mm de diâmetro) devem ser a escolha para pacientes com menos de 10 kg, e em crianças maiores o duodenoscópio padrão deve ser utilizado, apesar de não haver consenso na faixa de peso de 10 a 15kg.  A utilização de aparelhos standards na maioria dos pacientes acima de 10 kgs, leva em conta o diâmetro do canal de trabalho dos mesmos, os quais permitem a passagem de próteses maiores que 5 Fr e materiais de triplo lúmen. Ao utilizar duodenoscópios standard em crianças, deve-se ter cuidado redobrado na passagem do aparelho, principalmente no esfíncter superior do esôfago e no piloro.

  • Eventos adversos

Devido a frequência relativamente baixa de eventos adversos em CPRE na população pediátrica, e principalmente poucos estudos de grande impacto na literatura sobre esse tema, é difícil estabelecer fatores de risco ou estratégias para diminuir os EA.

Em trabalho retrospectivo (2), com idade média de 15 anos (±5), foram analisados 429 procedimentos, onde o perfil de EA foi : Pancreatite (6,3 %, sendo a maioria leve ou moderada), dor abdominal (sem perfuração ou pancreatite – 5,6%), colangite (2,5%), febre (sem colangite ou pancreatite – 1,6%) e sangramento (1,4%). Não houve casos de perfuração.

A pancreatite segue como o EA mais comum nas CPREs também em crianças. Os fatores de risco aparentemente são os mesmos dos adultos (manipulação ou injeção no ducto pancreático, canulação difícil, dilatação, precut ….) .  Infelizmente, não se dispõem de dados mostrando diminuição da incidência de pancreatite com uso de stents pancreáticos (com alguns trabalhos demonstrando maior índice de EA) ou AINES via retal, como observado em adultos.

Sangramentos podem ocorrer, principalmente após papilotomia, sendo que o tratamento segue  as mesmas indicações e técnicas de pacientes adultos. O mesmo para perfurações,  devendo-se apenas atentar para o tipo de aparelho escolhido (como discutido acima ).

Por fim, é notório o maior uso de CPRE em pacientes pediátricos, assim como novas tecnologias devem se juntar a ela, como por exemplo a ultrassonografia endoscópica. Assim, estudos voltados para este grupo de pacientes são necessários para protocolos e consensos possam ser estabelecidos.

Você realiza CPRE em crianças ? Divida conosco sua experiência, acessando e participando do fórum de discussões .

Bibliografia :

 

Veja também :

CPRE em Pacientes Cirróticos 

CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II prévia: 30 anos de experiência

CPRE em pacientes com gastrectomia a Billroth II

 

+ posts

Doutor em Gastroenterologia pela FM-USP.
Especialista em Cirurgia do Aparelho Digestivo (HCFMUSP), Endoscopia Digestiva (SOBED) e Gastroenterologia (FBG).
Professor do curso de Medicina da Fundação Educacional do Município de Assis - FEMA.
Médico da clínica Gastrosaúde de Marília.


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4 Comentários

Bruno Martins 10/04/2019 - 8:20 am

Não achei nenhum artigo ou guideline respondendo essa dúvida: papilotomia vs papiloplastia. Os artigos se resumem a séries de casos. Na minha rotina não lido com população pediátrica, mas temo o risco de pancreatite pós-papiloplastia com balão . Minha tendência seria fazer o que estou mais acostumado, ou seja, papilotomia.

TECIO DE ARAUJO COUTO 07/04/2019 - 1:28 pm

Preservar o esfincter de Oddi não aumentaria o risco de pancreatite? Particularmente, não faria isso. Acho também que uma avaliação de um hematologista seria prudente para descartar hemólise (mesmo em cálculo único).

Guilherme Sauniti 06/04/2019 - 12:11 pm

Ola Andre, obrigado pela participação.
Entendo que entre papilotomia ou dilataçâo, a escolha deve recair sobre qual será mais efetiva e com menos riscos imediatos e de curto prazo (sangramentos, risco de pancreatite, sucesso na retirada do càlcuoo) ja que os dados indicam näo existir maior risco de neoplasias em pacientes submetidos a papilotomia. (Veja aqui: https://old.endoscopiaterapeutica.net/pt/artigoscomentados/cpre-e-risco-de-cancer/ ).

André Océa 20/03/2019 - 7:24 am

Diante de uma criança de 10 anos, com coledocolitíase, por cálculo único, realiza papilotomia ampla ou papiloplastia com balão, para preservar o esfíncter de Oddi?

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