Ecoendoscopia para câncer gástrico: Quando, como e o porquê. Uma análise crítica da utilidade do método.

Atualmente, o câncer gástrico (CG) é o quinto câncer mais diagnosticado e a terceira causa de morte oncológica no mundo.  O estadiamento preciso é imperativo para a escolha do tratamento mais apropriado. A ecoendoscopia (EUS) é o melhor método não cirúrgico disponível para a avaliação da profundidade da invasão do câncer gástrico.

Quando solicitar a ecoendoscopia (indicações)?

  • Avaliação pré-tratamento endoscópico (ESD)

No estômago, a avaliação endoscópica pré-operatória nem sempre consegue predizer com acurácia a profundidade de invasão (diferente do cólon e esôfago, onde temos classificações que guiam a conduta).

Alguns achados endoscópicos sugerem invasão maciça da submucosa: hipertrofia ou convergência de pregas, ulcerações extensas, superfície muito irregular, sinal da não extensão.

Na ausência destes sinais ou na dúvida, a ecoendoscopia pode ser útil. Lembrando que em revisão sistemática, Mocellin & Pasquali encontraram uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 90% para diferenciar T1 (precoce) de T2 (quando a muscular própria está comprometida), sendo a sensibilidade de 87% e uma especificidade bem menor de 75% para a diferenciação de tumores intramucosos (T1a) daqueles com invasão da submucosa (T1b).

Um ponto que vale a pena ressaltar é que a maioria das lesões que teve o estadiamento incorreto de invasão da SM pela EUS era overstaging,  isto é,  eram na verdade lesões intramucosas (T1a).

Figura 1A – Imagem ecoendoscópica com aspecto sugerindo invasão da SM.

Figura 1B – Imagem da EUS da mesma lesão parecendo ser intramucosa.

Peça histológica da ESD comprovou que a lesão era mesmo restrita a mucosa.  Além disto, tradicionalmente, o tratamento endoscópico era restrito as lesões intramucosas, sendo algumas lesões com comprometimento superficial da submucosa (SM1 < 500 micra) consideradas como critério expandido. Entretanto, no último Guideline Japonês, algumas lesões SM1 foram consideradas como indicações relativas (Vide figura 3).

Figura 3

Outro dado importante, publicado recentemente na conceituada revista Nature, é que ESD antes da cirurgia para CG com invasão da SM ≥ 500 micra não prejudicou a sobrevida após cirurgia adicional. “Trocando em miúdos”, se a lesão na endoscopia – parecer superficial; na histologia – bem diferenciado e na ecoendoscopia – não invadir a muscular própria e não tiver linfonodoadenomegalia. Então, propor para o paciente a ressecção endoscópica com a intenção curativa e preservação do órgão, mas deixando claro que de acordo com o estadiamento histológico (invasão maciça da SM e infiltração angiolinfática) poderá ser necessária cirurgia complementar; e que neste caso, a ESD não prejudica em nada os resultados cirúrgicos.

  • Decisão de quimio perioperatória

Desde o estudo MAGIC, a quimioterapia perioperatória (antes e depois da cirurgia) mostrou-se benéfica no aumento da sobrevida para tumores (T ≥ 2, qualquer N e M0) Entretanto, alguns cirurgiões e alguns protocolos institucionais, preferem a cirurgia upfront nos casos T2 N0 M0. Se esta for a estratégia proposta, a EUS pode ser útil. A acurácia da EUS para Estadiamento N varia de 65 a 90%. E a sensibilidade e especificidade entre diferenciar T1-2 de T3-4 é de 86 e 91%, respectivamente.

  • Diagnóstico de metástases não detectadas pela tomografia

EUS tem um papel limitado no diagnóstico de metástases à distância. Entretanto, com uma tomografia negativa, a EUS pode identificar pequenas metástases no lobo esquerdo hepático e ascites neoplásicas de baixo volume mudando a conduta destes casos para tratamento paliativo.

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NÃO SÃO INDICAÇÕES DE ECOENDOSCOPIA

– Quando o resultado não vai mudar a conduta

– Se lesões metastáticas já foram identificadas a tomografia

– Reestadiamento pós quimio ou radioterapia.

COMO realizar a EUS para o estadiamento do CG.

  • Aparelhos

A maioria dos estudos utilizou aparelhos radiais. Mini-probes com frequência de até 20 MHz podem ser úteis especialmente para o Estadiamento T mas são pouco disponíveis e tem limitação para lesões maiores de 3 cm e para o estadiamento linfonodal. Aparelhos lineares são mais disponíveis e podem ser especialmente úteis para lesão distais, da incisura e da pequena curvatura.  Por vezes, a combinação de aparelho pode permitir um estadiamento mais preciso.

  • Aspecto gerais

Decúbito lateral esquerdo e sedação consciente.

  • Princípios específicos e dicas

Imagens devem ser obtidas perpendiculares e mantendo uma distância de 0,5 -1,0 cm da parede ao probe.

Aspire o ar de todo o estômago, infusão de 200-400 ml de água (cuidado para não broncoaspirar). Comece da parte mais distal e vá puxando o aparelho.

Não existe definição restrita de valores da parede gástrica, mas considere um valor de 2-4 mm e uma relação de 1:1:1 da mucosa, submucosa e muscular própria.

LIMITAÇÕES

  • É um método operador dependente com baixa concordância interobservador.
  • Lesões ulceradas estão associada a overstaging devido à fibrose.
  • Lesões localizadas na cárdia, no fundo, na pequena curvatura, na incisura e próximo ao piloro são mais difíceis de serem examinadas pela EUS.
  • Estadiamento impreciso é mais comum nas lesões indiferenciadas e maiores do que 3 cm.

O porquê de realizar a EUS para estadiamento do CG?

Apesar do último Guideline europeu não recomendar o uso rotineiro da EUS antes da ESD; para indicações precisas, com uma técnica correta, com aparelhos adequados e conhecendo as limitações do método; a EUS é uma ferramenta útil para definir a conduta de muitos casos de CG. Este é um tema controverso, com dados por vezes conflitantes. Mais estudos, com metodologia mais homogênea e com um tratamento endoscópico mais difundido e incluindo os casos com invasão superficial da SM, são desejados para definir com exatidão o papel da EUS na conduta do CG. Algoritmo racional baseado do tratamento do CG com ênfase no papel da EUS está na figura 3.

Figura 3

E você o que acha? Concorda que a ecoendoscopia pode ser útil no estadiamento do câncer gástrico ou acha que não serve para nada? Ou que até atrapalha? Deixe sua opinião nos comentários abaixo

Referências

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