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Papel da Colangioscopia na avaliação das Estenoses Biliares Indeterminadas

por Gerson Brasil
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Homem, 45 anos, sem comorbidades, previamente hígido, passou a apresentar icterícia + colúria + acolia fecal há 30 dias, associada a desconforto em região do hipocôndrio direito, sem outros sintomas. Durante investigação realizou RNM de ABD que evidenciou área de estenose imediatamente abaixo da confluência dos ductos hepáticos, todavia sem identificação de uma massa ou lesão óbvia. Apresentava bilirrubina total de  19mg/dL à custa de bilirrubina direta. Marcadores tumorais normais: CEA 0,5 ng/mL / CA 125 8,7 U/mL / CA 19-9 26,07 U/mL. Demais exames laboratoriais sem anormalidades significativas. Referenciado ao nosso serviço de Endoscopia, foi optado pela realização de uma Colangioscopia com biópsia direta da estenose. Realizada Colangioscopia digital através do sistema SpyGlass DS®, sendo identificada uma lesão polipoide com projeções papilares, friável, exibindo vasos aberrantes e conferindo signifivativa redução assimétrica da luz, localizada ao nível da confluência dos ductos hepáticos. Feitas biópsias sob visão direta (SpyBite®).
Havia patologista em sala para avaliação citológica, que constatou amostras significativas com o seguinte resultado: Restante do material seguiu para análise histopatológica: Procedida drenagem endoscópica bilateral com aposição de dois stents biliares plásticos, sendo um de 10Fr x 10cm na via biliar direita e outro de 7Fr x 10cm na via biliar esquerda:

PAPEL DA COLANGIOSCOPIA NA AVALIAÇÃO DAS ESTENOSES BILIARES INDETERMINADAS

A Colangioscopia Peroral foi descrita pela primeira vez na década de 1970 e até recentemente muitas limitações impediam que ela se tornasse um procedimento de rotina na prática diária da endoscopia. Dois endoscopistas experientes eram necessários para o sistema mãe-filha. Os endoscópios disponíveis eram frágeis, difíceis de montar, com capacidade de manobra limitada, de baixa qualidade de imagem e longo tempo de procedimento. O sistema de Colangioscopia direta SpyGlass® (Boston Scientific, Marlborough, Massachusetts) foi introduzido em 2007, sendo desenvolvido para exame com um único operador. Utilizando uma sonda óptica acoplada a um cateter descartável, esse dispositivo de deflexão quadrilateral poderia ser inserido pelo canal de trabalho de um duodenoscópio e avançar através da papila. Apesar dos avanços significativos na usabilidade e melhora nas imagens, esse sistema ainda tinha várias limitações, incluindo qualidade de imagem abaixo do ideal e durabilidade da sonda. Em 2015, foi lançado o novo SpyGlass DS®, primeiro sistema totalmente digital de colangioscopia com operador único. Isso proporcionou uma resolução de imagem mais alta, maior nitidez, melhor manuseabilidade e versatilidade no uso de acessórios, corrigindo as deficiências da geração anterior. Corrigindo muitas das limitações de seu antecessor, esse novo sistema consistia em um dispositivo descartável com configuração, ergonomia e qualidade de imagem notavelmente aprimoradas. Como a maioria das estenoses biliares provém de uma causa maligna, um diagnóstico precoce e preciso é extremamente importante, especialmente no caso de uma neoplasia em estágio inicial, potencialmente curável. Uma repercussão igualmente significativa do diagnóstico incorreto da estenose indeterminada é a desnecessária intervenção cirúrgica em pacientes com estenose benigna. Faz-se necessário definir o conceito de estenose biliar indeterminada. Na maioria das publicações postula-se que se refere a:
  • Estenose cuja etiologia não foi estabelecida por radiologia (não possui uma massa óbvia em imagens transversais)
  • A CPRE com biópsia transpapilar e/ou escovado falhou em elucidar.
  Observem que destacamos o “E” pois, apesar de ser o entendimento majoritário, há divergências no sentido de considerar que estas duas condições seriam aditivas. Ou seja, a aparência radilógica não conclusiva de malignidade conferiria o status de indeterminada, dispensando a realização da CPRE. É fato que a CPRE com biópsia transpapilar e/ou escovado continua sendo o procedimento padrão em muitos serviços nesses casos, sobretudo pela indisponibilidade da Colangioscopia. Porém, diante dos resultados atualmente publicados e muito promissores com as biópsias guiadas pela Colangioscopia, é possível que haja mudança nesta sequência propedêutica. Foi demonstrado que o uso do SpyGlass® e biópsia direta (SpyBite®) altera as decisões de gerenciamento clínico em 64% dos pacientes. O sistema possui uma sensibilidade de 76,5% para diagnóstico de estenose biliar indeterminada, comparado com 29,4% e 5,9% de sensibilidade usando biópsia transpapilar às cegas ou escovado citológico, respectivamente. Independentemente da instrumentação escolhida, as principais características macroscópicas usadas para determinar a malignidade das lesões do ducto biliar durante a Colangioscopia peroral são vasos dilatados e tortuosos, estenose infiltrativa (definida como margens irregulares com oclusão parcial do lúmen), superfície irregular e friabilidade (fácil sangramento); por outro lado, lesões benignas geralmente têm superfície lisa, sem vasos ou massa. No entanto, apesar dessas características bem definidas que distinguem lesões neoplásicas de não neoplásicas, muitos diagnósticos incorretos são feitos devido à falta de correlação entre esses aspectos macroscópicos e a histologia. A oportunidade de visualização direta da árvore biliar levou a tentativas contínuas de classificação dos achados, a fim de estabelecer critérios padronizados e amplamente aceitos para o diagnóstico endoscópico / macroscópico. Embora existam características colangioscópicas indicativas de malignidade, os critérios diagnósticos ainda são pouco uniformizados. Um estudo de Sethi et al, publicado em 2014, inspeciona a precisão visual da colangioscopia de operador único entre 9 especialistas que avaliaram 27 videoclipes de acordo com nove critérios. A concordância interobservador sobre todos os critérios foi de fraca a ruim. A fragilidade do estudo consiste no baixo número de videoclipes e na baixa qualidade dos vídeos. O advento da Colangioscopia com imagem digital e um ângulo de visão mais amplo levou a novas pesquisas na avaliação visual e classificação de lesões biliares. Estudos publicados por Shah et al, Navaneethan et al, Turowski et al, entre outros, baseados na experiência com o SpyGlass DS ®, relatam uma alta sensibilidade da impressão visual do endoscopista, aproximando-se de 100%. Os procedimentos foram realizados por um único endoscopista experiente que tinha acesso prévio ao prontuário clínico do paciente, o que poderia ser considerado uma fraqueza desses estudos. Uma proposta para um novo sistema de classificação dos achados colangioscópicos foi publicada em 2018 por Robles-Medranda et al.
  • Os autores propuseram dividir as lesões em 2 grupos: não neoplásicos e neoplásicos.
  • O estudo baseia-se em 305 pacientes submetidos a Colangioscopia de operador único com a primeira e a segunda geração do SpyGlass ®
  • Protocolo de dois estágios: retrospectivo para análise de imagem e preparação da classificação e prospectivo para validação da proposta.
  • Na segunda etapa, os resultados de sensibilidade, especificidade, VPP e VPN da imagem para lesão neoplásica foram os seguintes: 96,3%, 92,3%, 92,9% e 96%.
  • Houve boa concordância entre os observadores, maior com especialistas (κ> 80%) do que com não especialistas (κ 64,7% -81,9%).
 
Lesões Não Neoplásicas
Tipo 1 Padrão viloso A – Micronodular B- Viloso sem vascularização
Tipo 2 Padrão polipóide A – Adenoma B- Granular sem vascularização
Tipo 3 Padrão inflamatório Padrão fibroso e congestivo (regular ou irregular) com vascularização regular  
Lesões Neoplásicas
Tipo 1 Padrão plano Superfície plana e lisa OU superfície irregular com vascularização irregular ou aracneiforme E sem ulceração
Tipo 2 Padrão polipóide Polipóide com fibrose e vascularização irregular ou aracneiforme
Tipo 3 Padrão ulcerado Padrão ulcerado e infiltrativo irregular, com ou sem fibrose, e com vascularização irregular ou aracneiforme
Tipo 4 Padrão em favo de mel Padrão fibroso alveolado com ou sem vascularização irregular ou aracneifome
 

Medranda-Robles et al. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070.

Medranda-Robles et al. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070.

  Em Fevereiro deste ano (2020), Sethi et al propuseram 8 critérios visuais para as lesões biliares na Colangioscopia digital de operador único, intitulado de Classificação de Monaco:
  1. Presença de estenose, e se a estenose fosse assimétrica ou simétrico.
  2. Presença de lesão, e se a lesão tinha tamanho maior que um quarto (25%) do diâmetro do ducto ou um nódulo (tamanho menor que um quarto do diâmetro do ducto) ou tinha aparência polipóide.
  3. Características da mucosa, que eram lisas ou granulares.
  4. Projeções papilares, e se essas projeções eram como dedos (longos) ou curtas.
  5. Ulceração.
  6. Vasos anormais.
  7. Cicatrizes, e se as cicatrizes eram locais ou difusas.
  8. Pit pattern exuberante.
 

Sethi et al. J Clin Gastroenterol. 2020 Feb 7.

 
  • Usando estes critérios, a concordância interobservador e a acurácia diagnóstica foram melhores em comparação aos estudos anteriores.
  • Apesar dos resultados encorajadores com a Colangioscopia de operador único digital, os critérios endoscópicos ainda não estão totalmente estabelecidos e não podem ser aplicados independentemente.
  • Atualmente, técnicas de otimização visual como Narrow Band Imaging (NBI) e Cromoendoscopia são objeto de estudo, mas não são rotineiramente utilizadas na prática clínica.
  • Há falta de consenso sobre terminologia e descrição dos resultados, por esta razão, a histologia continua sendo o padrão-ouro para o diagnóstico.
  • Uma série de revisões sistemáticas, meta-análises e estudos estão disponíveis, analisando a capacidade da Colangioscopia para o diagnóstico visual e histológico de estenoses biliares indeterminadas.
  • A maioria dos estudos é retrospectiva e os dados disponíveis são referentes à geração mais antiga SpyGlass ® e outras plataformas de  Colangioscopia.
  • A despeito destas limitações, A Colangioscopia digital de operador única está associada a alta sensibilidade e especificidade na interpretação visual de estenoses biliares e neoplasias indeterminadas, devendo ser considerada rotineiramente na investigação diagnóstica destas entidades.
  Referências Bibliográficas
  1. Amrita Sethi et al. Digital Single-operator Cholangioscopy (DSOC) Improves Interobserver Agreement (IOA) and Accuracy for Evaluation of Indeterminate Biliary Strictures: The Monaco Classification. J Clin Gastroenterol. 2020 Feb 7. doi: 10.1097/MCG.0000000000001321. Online ahead of print.
  2. Carlos Robles-Medranda et al. Reliability and accuracy of a novel classification system using peroral cholangioscopy for the diagnosis of bile duct lesions. Endoscopy. 2018 Nov;50(11):1059-1070. doi: 10.1055/a-0607-2534.Epub 2018 Jun 28.
  3. Petko Karagyozov et al. Role of digital single-operator cholangioscopy in the diagnosis and treatment of biliary disorders. World J Gastrointest Endosc 2019 January 16; 11(1): 31-40. DOI: 10.4253/wjge.v11.i1.31.
  4. Pedro Victor Aniz Gomes de Oliveira et al. Efficacy of digital single‑operator cholangioscopy in the visual interpretation of indeterminate biliary strictures: a systematic review and meta‑analysis. Surgical Endoscopy 2020 Apr 27. doi: 10.1007/s00464-020-07583-8.
  5. Sunguk Jang et al. The efficacy of digital single-operator cholangioscopy and factors affecting its accuracy in the evaluation of indeterminate biliary stricture. Gastrointestinal Endoscopy (2019). doi: https://doi.org/10.1016/j.gie.2019.09.015.
  6. Udayakumar Navaneethan et al. Digital single-operator cholangiopancreatoscopy (soc) in the diagnosis and management of pancreatobiliary disorders: a multicenter clinical experience (with video). Gastrointestinal Endoscopy  (2016), doi: 10.1016/j.gie.2016.03.789.
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  • Médico Assistente do Serviço de Endoscopia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (HUOC-UPE);
  • Preceptor da Residência Médica em Gastroenterologia do HUOC-UPE;
  • Especialista em Endoscopia Digestiva pelo HC-FMUSP;
  • Professor da Disciplina de Gastroenterologia da UniNassau (Recife-PE);
  • Membro Titular da SOBED e FBG;
  • Ex-Presidente da SOBED-PE 2017/2018;
  • Sócio e Endoscopista da MultiGastro - Serviço de Endoscopia Digestiva dos Hospitais Memorial São José e Esperança Olinda (Rede D'Or São Luiz) - Recife/PE.

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