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Utilização de Agentes de Contraste Ultrassonográficos (microbolhas) no diagnóstico diferencial de lesões pancreáticas avaliadas por ecoendoscopia

por Manoel Cardoso
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O uso de contraste de microbolhas é uma ferramenta já bem estabelecida para estudo de lesões hepáticas por ultrassonografia transabdominal. Nos últimos anos os contrastes ultrassonográficos têm sido utilizados na caracterização de lesões avaliadas por ecoendoscopia, sendo que ja dispomos de estudos robustos que descrevem esta técnica auxiliando no diagnóstico diferencial de lesões pancreáticas, sejam elas sólidas ou císticas. A técnica mais utilizada atualmente, combina contraste de microbolhas de segunda geração e software de Imagem Harmônica de Contraste Dinâmico que utiliza baixo índice mecânico (MI 0,08 – 0,3), o que garante melhor resolução de imagem, com maior estabilidade das microbolhas e portanto uma análise mais duradoura. O agente de contraste de segunda geração mais amplamente utilizado na Europa tem sido o de nome comercial Sonovue produzido pela empresa italiana Bracco, que consiste em microbolhas encapsuladas por fosfolipídeos de hexafluoreto sulfúrico que passam através da circulação pulmonar sem serem destruídas. Tem ação exclusivamente vascular, sendo eliminado pelo ar expirado sem extravasar para os tecidos. A dose utilizada deste agente para avaliação de lesões não hepáticas é de 2,4-4,8ml.
  O Sonovue ainda não está regulamentado para uso em lesões pancreáticas, necessitando para sua utilização o consentimento informado do paciente. O exame e a segurança do paciente são de responsabilidade do médico examinador. O objetivo desta avaliação é a caracterização da lesão com base no seu padrão vascular, inclusive sendo possível estudar sua microvasculatura e vasos de baixo fluxo. Pode-se identificar a captação na fase arterial (10-30 segundos após infusão do contraste) e sua fase venosa (entre 30-120 segundos após a infusão do contraste). Nas lesões focais do pâncreas o padrão de captação do contraste é comparado ao do parênquima pancreático adjacente, sendo então classificadas com hipercaptantes ou hipocaptantes. O parênquima pancreático geralmente apresenta forte captação na fase arterial, com diminuição da captação progressiva na fase venosa. Um dos maiores estudos que avaliou o uso dos agentes de contraste de microbolhas para diagnóstico de lesões pancreáticas foi o “Pancreatic Multicenter Ultrasound Study” que incluiu 1439 pacientes, comparou os achados ecográficos com a análise histológica das lesões. Nas lesões sólidas a sensibilidade e a especificidade no diagnóstico de adenocarcinoma ductal foram ambas de 88%. A sensibilidade e especificidade no diagnóstico dos tumores neuroendócrinos foram 74% e 93% respectivamente. Nas lesões císticas este estudo demonstrou sensibilidade de 93% no diagnóstico de pseudocistos e especificidade de 99%. A sensibilidade do diagnóstico de neoplasias císticas foi de 78% e a especificidade próxima a 100%.  

Lesões sólidas pancreáticas

O adenocarcinoma ductal é tipicamente hipocaptante de contraste na fase arterial e venosa, enquanto outros tumores sólidos do pâncreas geralmente são hipercaptantes já na fase arterial ( tumores neuroendócrinos, metástases pancreáticas, pancreatite focal, hamartomas, baço acessório e outras lesões raras) . Adenocarcinoma Ductal – Por serem pouco vascularizadas estas lesões são hipocaptantes de contraste em todas as fases em mais de 90% dos casos, mesmo em lesões muito pequenas menores que 15mm. Tumores Neuroendócrinos – Lesões bem delimitadas e de abundante vascularização arterial, por isso são hipercaptantes já na fase arterial. Na fase venosa sofrem “wash out” rápido. O padrão de captação é homogêneo nas lesões pequenas, enquanto nas lesões grandes pode ser mais intenso na periferia da lesão. Nos tumores maiores áreas de necrose avascular podem dar aspecto heterogêneo ao padrão de captação.
  Neoplasias sólidas pseudopapilares (Tumor de Frantz) – Realce nítido dos contornos da lesão pelo contraste. No interior da lesão a captação é heterogênea, com padrão característico “ fast in e fast out” que ocorre devido à pontos não captantes que correspondem à áreas necróticas e hemorrágicas comumente presentes nestas lesões. O “wash out” lento na fase venosa pode ser avaliado na ecoendoscopia.

Lesões Císticas do Pâncreas

O diagnóstico diferencial dos cistos pancreáticos. Nódulos e septos são vascularizados e se realçam pelo contraste, enquanto debris e coágulos não captam contraste. Cistoadenoma Seroso – Aparência lobulada com paredes finas e com septos fibróticos bem vascularizados com realce central na fase arterial. Lesões pequenas podem ser confundidas com lesões sólidas. Cistoadenoma Mucinoso – Lesões macrocísticas de paredes espessadas captantes de contraste podendo conter nódulos murais e septos hipercaptantes sem acometimento de ducto pancreático. Cistoadenocarcinoma Mucinoso – Cistos volumosos com componentes sólidos heterogêneos com áreas hipocaptantes de contraste. Neoplasia Intraductal Mucinosa Pailífera (NIMP) – São divididas em dois subtipos de acordo com o acometimento ductal , podem ser de ducto pancreático principal (DPP) ou de ducto pancreático secundário. O contraste pode ser útil na avaliação de estruturas intracísticas, diferenciando plugs de muco de nódulos intracísticos. A NIMP de ducto principal tem alto potencial de malignização e aspecto endoscópico característico que evidencia dilatação importante do DPP e papila duodenal em “boca de peixe” drenando secreção mucóide. Quando o acometimento é de ducto secundário o potencial de malignização desta neoplasia é baixo.  
   

Outras Aplicações

Tumores estromais do trato gastrointestinal (GISTs) – Geralmente exibem padrão de realce arterial homogêneo assim como os leimiomas e schwannomas. Porém em tumores maiores, malignizados podem demonstrar padrão heterogêneo de captação de contraste, devido à áreas de necrose avascular.
  Refrerência Biliográfica
  1. Numata K, Ozawa Y, Kobayashi N, et al. Contrast-enhanced sonography of pancreatic carcinoma: correlations with pathological findings. J Gastroenterol 2005; 40:631.
  2. Dietrich CF, Braden B, Hocke M, et al. Improved characterisation of solitary solid pancreatic tumours using contrast enhanced transabdominal ultrasound. J Cancer Res Clin Oncol 2008; 134:635.
  3. D’Onofrio M, Barbi E, Dietrich CF, et al. Pancreatic multicenter ultrasound study (PAMUS). Eur J Radiol 2012; 81:630.
  4. Dietrich CF, Ignee A, Braden B, et al. Improved differentiation of pancreatic tumors using contrast-enhanced endoscopic ultrasound. Clin Gastroenterol Hepatol 2008; 6:590.
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  1. Piscaglia F, Nolsøe C, Dietrich CF, et al. The EFSUMB Guidelines and Recommendations on the Clinical Practice of Contrast Enhanced Ultrasound (CEUS): update 2011 on non-hepatic applications. Ultraschall Med 2012; 33:33.
  2. Dietrich CF, Sahai AV, D’Onofrio M, et al. Differential diagnosis of small solid pancreatic lesions. Gastrointest Endosc 2016; 84:933.
  3. D’Onofrio M, Mansueto G, Falconi M, Procacci C. Neuroendocrine pancreatic tumor: value of contrast enhanced ultrasonography. Abdom Imaging 2004; 29:246.
  4. Ecoendoscopia: Núcleo de Ecoendoscopia da SOBED; Walton Albuquerque et al – Editora Revinter 2012
  5. Ecoendoscopia: Robert Hawes, Paul Fockens, Shian Varadarajulu, coordenação Fauze Maluf-Filho, Editora Elservier 2015
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Membro titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia
Membro titular da Socieda Brasileira de Endoscopia Digestiva
Especialista em Ecoendoscopia pelo CFBEUS (Centro Franco Brasileiro de Ecoendoscopia)


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2 Comentários

Manoel Cardoso 09/07/2018 - 11:24 pm

Observação pertinente e de difícil resposta Renzo. Realmente por enquanto a utilização do agente de contraste não alterou a conduta nos meus casos. Acabei puncionando os pacientes para chegar ao diagnóstico.
O contraste acaba aumentando o custo do exame, porém o custo não é absurdo para quem tem o equipamento que conta com software de imagem harmônica – cobro um acréscimo de RS 400,00 no exame esclarecendo para os pacientes que isso não irá alterar a necessidade da punção e isso realmente faz com que a maioria acabe não querendo que se realize o estudo contrastado.
Quanto ao papel que o contraste ultrassonográfico terá no futuro, penso que eventualmente ele possa em combinação com outras tecnologias e com mais estudos melhor caracterizar lesões e talvez dispensar punções em alguns casos. Também penso que será um auxílio no direcionamento das biópsias à tecidos viáveis para análise histológica principalmente nas lesões heterogêneas e sólido-císticas. Outra aplicação que imagino para o futuro seria auxiliando no rastreamento de lesões pancreáticas, realçando áreas hipo ou hipercaptantes de pequenas dimensões. Vejo sim a possibilidade destes agentes serem ferramentas disponíveis para serviços fora de centros de pesquisa, porém apenas se o Sonovue for regulamentado para lesões pancreáticas.

Renzo Feitosa Ruiz 09/07/2018 - 12:48 pm

Olá, Manoel. Ótimo post ! Parabéns !!! Minha pergunta tem um cunho prático. Como você mesmo citou, o Sonovue ainda não está regulamentado para uso em lesões pancreáticas, portanto em casos em que haja eventualmente uma complicação o médico executor se responsabilizará. Notei ainda, que na maioria das vezes não mudou a conduta, ou seja, tivemos que puncionar para obtermos o diagnóstico. Obviamente a técnica de microbolhas nos dá mais detalhes sobre as características da lesão, porém aumenta o custo do exame também. Baseado nisso, você acredita que essa técnica irá se difundir a ponto de ser adotada na nossa prática diária ou se restringirá a centros de pesquisa ? Qual o papel futuro que acredita que ela desempenhará ? Abração, e mais uma vez parabéns !

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