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Drenagem interna com pigtail no tratamento de fístula gastrocutânea

por Ivan R B Orso
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Paciente do sexo feminino, 57 anos, no pós operatório tardio de hepatectomia por colangiocarcinoma. Durante o acompanhamento pós operatório evoluiu com carcinomatose peritoneal, ascite e obstrução biliar tratada com a colocação de um stent plástico.

Relata que ha 2 meses apresentou coleção abdominal infectada que foi drenada percutaneamente, evoluindo com fístula gastrocutânea no local da drenagem, que se manteve mesmo após a remoção dos drenos. Foi então encaminhada para avaliação da possibilidade de terapia endoscópica para resolução da fístula.

Na primeira avaliação a paciente estava estável, sem sinais infecciosos, alimentando-se oralmente mas com alto débito pela fístula gastrocutânea.

A tomografia mostrava uma coleção anterior ao estômago comunicando-se com a pele na região do flanco direito.  Presença de ascite em pequena quantidade e espessamento do peritônio e epiplon, compatíveis com carcinomatose. Além disso havia trombose de veia porta com importante circulação colateral perigástrica e esofágica.

Endoscopia Digestiva Alta

A endoscopia demonstrou um orifício fistuloso com aproximadamente 15 mm, localizado na parede anterior do antro proximal. No interior da cavidade da fístula era visível a presença de resíduos alimentares.

 

Orifício fistuloso na parede anterior do antro gástrico proximal com resíduos alimentares no seu interior.

 

Conduta:

Foi então proposto à paciente a realização de drenagem interna para tentar fechar a fístula cutânea.

Inicialmente foi realizada uma fistulografia para avaliar o tamanho da cavidade e os trajetos fistulosos.  Para isso um balão extrator de 15 mm foi utilizado para obstruir o orifício fistuloso  e permitir a injeção de contraste. A fistulografia demonstrou uma coleção perigástrica com 6 cm no maior diâmetro e a presença de 3 trajetos fistulosos para a pele.

Fistulografia. Utilizado balão extrator para ocluir o orifício e permitir a injeção de contraste. Nota-se marca metálica (agulha) colada na pele para marcar o local do orifício gástrico. Presença de prótese biliar plástica colocada previamente.

 

Após a delimitação da fístula o cateter balão desinsuflado foi introduzido no orifício fistuloso e realizada lavagem com soro fisiológico até a saída dos resíduos alimentares e do excesso de fibrina.

Depois da limpeza, o fio-guia foi introduzido com auxílio de um cateter introdutor e uma prótese de duplo pig tail de 7 F por 5 cm foi colocada no interior da cavidade perigástrica através do orifício fistuloso. Após a colocação do pigtail uma sonda nasoenteral foi posicionada em posição pós pilórica.

 

1. Fistulografia. Na imagem nota-se também a prótese biliar colocada previamente. 2. Colocação do fio guia no interior da cavidade da fístula. 3. Cateter de duplo pigtail inserido dentro da fístula e SNE posicionada em posição pós pilórica.

 

Prótese de duplo pigtail colocada no orifício fistuloso. Na última imagem nota-se a presença da SNE.

Evolução:

No dia seguinte ao procedimento o débito da fístula já reduziu consideravelmente.  Foi liberada dieta líquida sem resíduos via oral e iniciada a dieta enteral.  A paciente recebeu alta no segundo dia após a realização do procedimento.

Dez dias após a drenagem interna as fístulas cutâneas fecharam.  A SNE foi removida e dieta de consistência pastosa iniciada. A prótese de pigtail foi mantida em posição.

 

1. Dois orifícios fistulosos cutâneos abertos. 2. Dez dias após o procedimento. Parada completa da drenagem pelas fistulas e cicatrização dos orifícios.

 

No momento a paciente está há mais de 60 dias do procedimento, alimentando-se oralmente e sem recidiva das fístulas cutâneas.

Discussão

Deiscências e fístulas após cirurgias gastrointestinais são geralmente tratadas de forma minimamente invasiva através de drenagem cirúrgica ou percutânea, desvio do trânsito alimentar e oclusão utilizando dispositivos endoscópicos. Vários tratamentos endoscópicos foram propostos com este objetivo.  Os mais comuns incluem o uso de próteses metálicas recobertas, clipes, plugues, colas e terapia a vácuo.

Porém, mesmo quando a colocação de uma prótese metálica recoberta é possível anatomicamente, a drenagem interna (com uso de próteses plásticas de duplo pigtail) pode ser oferecido como primeira linha de tratamento em fístulas mais tardias.  Nestas situações a drenagem interna pode evitar a necessidade de repetidas drenagens percutâneas ou cirúrgicas e também reduzir a necessidade de múltiplas reabordagens endoscópicas.

Além disso, a drenagem interna com pigtail pode ser utilizada como terapia de resgate nas fístulas que se mantém após o tratamento com próteses metálicas recobertas.

Nas fístulas a prótese melhora a drenagem interna favorecendo o retorno da secreção coletada para o órgão, consequentemente reduzindo o débito do trajeto cutâneo, facilitando o seu fechamento.  A presença da prótese também age como um corpo estranho na cavidade e nas bordas do orifício fistuloso causando escarificação e promovendo a reepitelização.

Referências

Gianfranco Donatelli, Jean-Loup Dumont, Fabrizio Cereatti, Parag Dhumane, Thierry Tuszynski, Bertrand Marie Vergeau, Bruno Meduri. Endoscopicinternaldrainageasfirst-linetreatmentfor fistula following gastrointestinal surgery: a case series. Endoscopy International Open 2016

Donatelli G, Dumont JL, Cereatti F et al. Treatment of leaks following sleeve gastrectomy by endoscopic internal drainage (EID). Obes Surg 2015;

Lemmers A, Tan DM, Ibrahim M et al. Transluminal or percutaneous endoscopic drainage and debridement of abscesses after bariatric surgery:a case series. ObesSurg 2015; 25: 2190–2219

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Doutor em Ciências em Gastroenterologia pela USP
Especialista em Endoscopia Diagnóstica e Terapêutica da Gastroclínica Cascavel e do Hospital São Lucas FAG
Coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral e Professor de Gastroenterologia da Escola de Medicina da Faculdade Assis Gurgacz


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2 Comentários

Ivan R B Orso 31/03/2019 - 7:24 pm

Bruno, obrigado pelo comentário. Esta paciente já tinha um fístula com 2 meses de evolução quando chegou para a avaliação. O orifício interno estava completamente epitelizado. O tempo de evolução e o fato da paciente apresentar carcinomatose com importante desnutrição me desestimulou à tentar um fechamento endoscópico da fístula.
O pigtail é uma opção muito interessante nesses casos pois melhorando a drenagem interna leva a uma redução quase que imediata do débito externo, mesmo antes da cicatrização da fístula.
Neste caso específico, em uma paciente com carcinomatose eu não planejo remover o pigtail. Vou deixar indefinidamente.

Bruno Martins 05/03/2019 - 8:26 am

Muito interessante esse caso Ivan. Parabéns pela condução.

A drenagem interna com pigtail tem sido descrita ultimamente na literatura, principalmente no tratamento das fístulas pós-cirurgias bariátricas. Muita gente ainda desconhece essa conduta e esse seu caso ganha importância em demonstrar com elegância esse procedimento.

Confesso que minha primeira conduta teria sido fechamento interno da fístula com endoloop e coroa de clipes (temos um caso aqui no site desta conduta) + drenagem externa da coleção. Obviamente a drenagem interna com pigtail é bem mais confortável para o paciente e se mostrou técnica segura e eficaz. Muito interessante também o fato de conseguir alimentar o paciente mesmo antes do fechamento da fístula!

Dúvida: a prótese pigtail acabou sendo expulsa espontaneamente ou foi necessário remoção endoscópica?

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